Sucessivos governos da Colômbia anunciaram a sua morte vinte vezes. As cadeias de televisão e a grande imprensa da Europa e dos EUA comentaram esse acontecimento e, com poucas excepções, insultaram e caluniaram o combatente. Depois divulgaram desmentidos para o ressuscitar. Porque Manuel Marulanda continuava vivo, lutando nas montanhas e selvas do seu país.
Ele sabia que não era eterno. Faleceu no dia 26 de Março. Mas, para decepção do fascismo colombiano e do imperialismo não foram as bombas e mísseis que abateram o comandante-chefe das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-FARC. Marulanda morreu de um enfarte, algures na selva, com a sua companheira ao lado, rodeado de camaradas.
É necessário subir até Bolívar para encontrar na história da América Latina alguém com uma trajectória comparável. Ambos lutaram no mesmo cenário; ambos realizaram feitos que trazem à memória heróis mágicos da Ilíada de Homero. Mas, ao contrário do Libertador, Marulanda nasceu pobre numa família de camponeses do Quindio. Foram o espectáculo da miséria das populações rurais da Cordilheira e o sentimento de revolta contra a repressão de que elas eram alvo que fizeram dele um revolucionário. O guerrilheiro que aprendeu a ler já adulto tornou-se comunista ao compreender que a autodefesa dos camponeses era inseparável de uma luta maior, de dimensão planetária, contra a engrenagem de poder responsável pela violência que os esmagava e pela situação semi-colonial da sua pátria.
Quando a oligarquia bogotana e antioquenha identificou uma ameaça naquela «rebelde» que recusava amnistia e não se submetia, mobilizou um exército de 10.000 homens para destruir o grupo guerrilheiro que na remota Marquetália não entregava as armas.
Marulanda contava somente com 46 combatentes. Ocorreu então um dos muitos impossíveis que iriam marcar a sua vida de lutador. A guerrilha, combatendo quase diariamente, rompeu o cerco. Essa saga esteve na raiz das FARC. A guerrilha de Marquetália, armada com uma ideologia humanista e revolucionária, transformou-se com o rodar dos anos no Exército Revolucionário do Povo, uma força avaliada em 15.000 combatentes, que se bate hoje, 44 anos após a sua criação, contra o Exército de Uribe em 60 Frentes.
O escritor Arturo Alape, num livro belo, recorda situações e factos que, pela atmosfera de excepcionalidade, mais parecem coisa de magia.
Mas foram reais.
Marulanda atravessou muitas vezes os Andes, combatendo. Na Colômbia a Cordilheira ciclópica divide-se em três ramificações, separadas por vales profundos. E uma coluna das FARC, sob o seu comando, repetiu o que era considerado absolutamente impossível. Cruzou a Cordilheira Central, de Ocidente para Oriente, através de desfiladeiros ocupados pelo exército, rompendo sucessivos cercos numa campanha que leva Arape a concluir que Marulanda como estratego somente encontra precedentes em Alexandre, Aníbal e Napoleão.
ENCONTRO COM TIRO FIJO
A vida proporcionou-me a oportunidade de encontrar uma vez Marulanda. Foi em Junho de 2001 na aldeia amazónica de La Macarena, após um almoço oferecido pelas FARC a delegações da Cruz Vermelha e de diferentes países que tinham acompanhado o processo de intercâmbio humanitário de prisioneiros. As FARC, em gesto unilateral, tinham libertado naquela manhã uns 300 prisioneiros quase todos militares capturados em combate.
Foi o comandante Raúl Reyes, de quem eu era convidado, que me apresentou ao comandante-chefe das FARC, o então já legendário Tiro Fijo, como era conhecido pela sua pontaria. Durou escassos minutos a troca de palavras porque Marulanda estava rodeado de embaixadores de países europeus.
Chovia torrencialmente e a água que se despenhava do céu em cataratas sobre a cobertura de plástico que protegia o terreiro do almoço produzia um ruído tão forte que dificultava as conversas. Mas não esqueci que os diplomatas se dirigiam com muito respeito ao dirigente revolucionário, disputando-lhe a atenção.
Nenhum dos presentes poderia naquele dia prever que a União Europeia, cedendo a pressões de Washington, iria definir as FARC como organização terrorista e que o futuro governo de Uribe colocaria a prémio, por milhões de dólares, a cabeça de Manuel Marulanda.
Recordo também ter pedido ao comandante-chefe que me concedesse uma entrevista.
Quase lhe escuto ainda a sua resposta ao pedido, pronunciada com a lentidão que lhe tornava a voz inconfundível. Sugeriu uma data posterior ao meu regresso a Havana, cidade onde então eu residia.
Pedi-lhe então que respondesse apenas a três perguntas que enviaria por uma colega cubana, que, essa sim, poderia entrevistá-lo no dia proposto. Marulanda concordou e cumpriu. A entrevista foi publicada no Avante!
A LUTA DAS FARC PROSSEGUE
Desde essa jornada na Macarena, o governo da Colômbia anunciou várias vezes que Marulanda falecera ou estava moribundo. Mentia. Como mentiu ao repetir em diferentes ocasiões que as FARC tinham recebido golpes tão duros que estavam à beira da desagregação.
Não obstante aparecerem, com os seus 380.000 homens, como as mais poderosas da América Latina – equipadas com armas que Washington somente fornece a Israel – as Forças Armadas da Colômbia acumularam derrotas em todas as ofensivas que tinham por objectivo o aniquilamento das FARC. O resultado decepcionante do Plano Patriota nos Departamentos do Caquetá e do Meta ficou, aliás, transparente na renúncia de meia dúzia de generais do Exército.
O povo colombiano tem hoje consciência de que a escalada belicista de Uribe fracassou e que não há solução militar para a guerra civil.
Mas o governo neofascista de Bogotá fecha as portas ao intercâmbio humanitário de prisioneiros nas bases propostas pelas FARC que implicariam a retirada prévia de todas as forças militares dos municípios de Florida e Pradera.
As FARC numa demonstração de boa vontade, entregaram, entretanto, à Cruz Vermelha Internacional alguns prisioneiros em gesto unilateral. Mas Uribe respondeu inviabilizando a mediação de Hugo Chávez e da senadora liberal Piedad Cordoba.
A campanha, de matizes farisaicos que exige incondicionalmente a libertação de Ingrid Betancourt veio porém criar, paradoxalmente uma situação muito incómoda para Uribe. Ao tomar conhecimento de contactos entre o comandante Raúl Reyes e o governo francês, o presidente colombiano concebeu e executou – com a cumplicidade da Casa Branca e do Pentágono – o plano cujo desfecho foi o assassínio daquele comandante das FARC e de mais vinte dos seus camaradas na acção criminosa que violou a soberania do Equador.
A morte de Marulanda ocorreu a 26 de Março no auge da campanha de desinformação promovida pelo fascismo uribista – depois da manipulação dos computadores de Raúl Reyes – com o fim de comprometer os presidentes da Venezuela e do Equador e de apresentar as FARC como envolvidas em negócios do narcotráfico e de armas.
Tornar publico o falecimento de Marulanda nos dias em que Uribe proclamava, triunfalista, que as FARC estavam em processo de destruição como força de combate permitiria ao presidente neofascista utilizar o acontecimento para promover a confusão e a desinformação.
A divulgação da notícia foi assim atrasada durante muitas semanas até chegar ao conhecimento do governo de Bogotá.
A partir de então ocorreu o que se previa. Para além da torrente de calúnias da propaganda oficial, os epígonos do uribismo não se limitaram a festejar a morte de Marulanda, apresentando-o como bandoleiro e assassino. De especulação em especulação identificaram no desaparecimento do comandante-chefe da organização guerrilheira o prólogo do seu fim iminente. As Forças Armadas chegaram ao absurdo de afirmar que teria morrido possivelmente durante um bombardeamento do seu acampamento.
Perante as proporções da orquestração reaccionária, o secretariado do Estado-Maior Central das FARC considerou chegado o momento de tornar pública a morte de Manuel Marulanda. A notícia foi divulgada através de um comunicado lido pelo comandante Timoleón Jimenez e transmitido em primeira-mão pela Telesur venezuelana. Nesse documento a direcção das FARC informa que o novo comandante-chefe é o Comandante Alfonso Cano. E prestando comovida homenagem a Marulanda, pela sua capacidade de liderança, lucidez ideológica e talento como estratego militar, sublinham a decisão inquebrantável de prosseguir em todas as Frentes até â vitória final a luta pelo «poder político, por uma sociedade de justiça social e pelo socialismo».
As campanhas de calúnias contra as FARC vão continuar, paralelas à guerra cujo objectivo é o seu aniquilamento.
O fim desta guerra não tem data no calendário. Mas o povo da Colômbia já percebeu que Uribe e os seus ministros somente deixaram marcas na História pelos seus crimes. E está consciente de que Manuel Marulanda conquistou já a eternidade, ocupando lugar ao lado de Bolívar no panteão dos heróis autênticos da América Latina.
Serpa, 27 de Maio de 2008
retirado de odiario.info
Ele sabia que não era eterno. Faleceu no dia 26 de Março. Mas, para decepção do fascismo colombiano e do imperialismo não foram as bombas e mísseis que abateram o comandante-chefe das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-FARC. Marulanda morreu de um enfarte, algures na selva, com a sua companheira ao lado, rodeado de camaradas.
É necessário subir até Bolívar para encontrar na história da América Latina alguém com uma trajectória comparável. Ambos lutaram no mesmo cenário; ambos realizaram feitos que trazem à memória heróis mágicos da Ilíada de Homero. Mas, ao contrário do Libertador, Marulanda nasceu pobre numa família de camponeses do Quindio. Foram o espectáculo da miséria das populações rurais da Cordilheira e o sentimento de revolta contra a repressão de que elas eram alvo que fizeram dele um revolucionário. O guerrilheiro que aprendeu a ler já adulto tornou-se comunista ao compreender que a autodefesa dos camponeses era inseparável de uma luta maior, de dimensão planetária, contra a engrenagem de poder responsável pela violência que os esmagava e pela situação semi-colonial da sua pátria.
Quando a oligarquia bogotana e antioquenha identificou uma ameaça naquela «rebelde» que recusava amnistia e não se submetia, mobilizou um exército de 10.000 homens para destruir o grupo guerrilheiro que na remota Marquetália não entregava as armas.
Marulanda contava somente com 46 combatentes. Ocorreu então um dos muitos impossíveis que iriam marcar a sua vida de lutador. A guerrilha, combatendo quase diariamente, rompeu o cerco. Essa saga esteve na raiz das FARC. A guerrilha de Marquetália, armada com uma ideologia humanista e revolucionária, transformou-se com o rodar dos anos no Exército Revolucionário do Povo, uma força avaliada em 15.000 combatentes, que se bate hoje, 44 anos após a sua criação, contra o Exército de Uribe em 60 Frentes.
O escritor Arturo Alape, num livro belo, recorda situações e factos que, pela atmosfera de excepcionalidade, mais parecem coisa de magia.
Mas foram reais.
Marulanda atravessou muitas vezes os Andes, combatendo. Na Colômbia a Cordilheira ciclópica divide-se em três ramificações, separadas por vales profundos. E uma coluna das FARC, sob o seu comando, repetiu o que era considerado absolutamente impossível. Cruzou a Cordilheira Central, de Ocidente para Oriente, através de desfiladeiros ocupados pelo exército, rompendo sucessivos cercos numa campanha que leva Arape a concluir que Marulanda como estratego somente encontra precedentes em Alexandre, Aníbal e Napoleão.
ENCONTRO COM TIRO FIJO
A vida proporcionou-me a oportunidade de encontrar uma vez Marulanda. Foi em Junho de 2001 na aldeia amazónica de La Macarena, após um almoço oferecido pelas FARC a delegações da Cruz Vermelha e de diferentes países que tinham acompanhado o processo de intercâmbio humanitário de prisioneiros. As FARC, em gesto unilateral, tinham libertado naquela manhã uns 300 prisioneiros quase todos militares capturados em combate.
Foi o comandante Raúl Reyes, de quem eu era convidado, que me apresentou ao comandante-chefe das FARC, o então já legendário Tiro Fijo, como era conhecido pela sua pontaria. Durou escassos minutos a troca de palavras porque Marulanda estava rodeado de embaixadores de países europeus.
Chovia torrencialmente e a água que se despenhava do céu em cataratas sobre a cobertura de plástico que protegia o terreiro do almoço produzia um ruído tão forte que dificultava as conversas. Mas não esqueci que os diplomatas se dirigiam com muito respeito ao dirigente revolucionário, disputando-lhe a atenção.
Nenhum dos presentes poderia naquele dia prever que a União Europeia, cedendo a pressões de Washington, iria definir as FARC como organização terrorista e que o futuro governo de Uribe colocaria a prémio, por milhões de dólares, a cabeça de Manuel Marulanda.
Recordo também ter pedido ao comandante-chefe que me concedesse uma entrevista.
Quase lhe escuto ainda a sua resposta ao pedido, pronunciada com a lentidão que lhe tornava a voz inconfundível. Sugeriu uma data posterior ao meu regresso a Havana, cidade onde então eu residia.
Pedi-lhe então que respondesse apenas a três perguntas que enviaria por uma colega cubana, que, essa sim, poderia entrevistá-lo no dia proposto. Marulanda concordou e cumpriu. A entrevista foi publicada no Avante!
A LUTA DAS FARC PROSSEGUE
Desde essa jornada na Macarena, o governo da Colômbia anunciou várias vezes que Marulanda falecera ou estava moribundo. Mentia. Como mentiu ao repetir em diferentes ocasiões que as FARC tinham recebido golpes tão duros que estavam à beira da desagregação.
Não obstante aparecerem, com os seus 380.000 homens, como as mais poderosas da América Latina – equipadas com armas que Washington somente fornece a Israel – as Forças Armadas da Colômbia acumularam derrotas em todas as ofensivas que tinham por objectivo o aniquilamento das FARC. O resultado decepcionante do Plano Patriota nos Departamentos do Caquetá e do Meta ficou, aliás, transparente na renúncia de meia dúzia de generais do Exército.
O povo colombiano tem hoje consciência de que a escalada belicista de Uribe fracassou e que não há solução militar para a guerra civil.
Mas o governo neofascista de Bogotá fecha as portas ao intercâmbio humanitário de prisioneiros nas bases propostas pelas FARC que implicariam a retirada prévia de todas as forças militares dos municípios de Florida e Pradera.
As FARC numa demonstração de boa vontade, entregaram, entretanto, à Cruz Vermelha Internacional alguns prisioneiros em gesto unilateral. Mas Uribe respondeu inviabilizando a mediação de Hugo Chávez e da senadora liberal Piedad Cordoba.
A campanha, de matizes farisaicos que exige incondicionalmente a libertação de Ingrid Betancourt veio porém criar, paradoxalmente uma situação muito incómoda para Uribe. Ao tomar conhecimento de contactos entre o comandante Raúl Reyes e o governo francês, o presidente colombiano concebeu e executou – com a cumplicidade da Casa Branca e do Pentágono – o plano cujo desfecho foi o assassínio daquele comandante das FARC e de mais vinte dos seus camaradas na acção criminosa que violou a soberania do Equador.
A morte de Marulanda ocorreu a 26 de Março no auge da campanha de desinformação promovida pelo fascismo uribista – depois da manipulação dos computadores de Raúl Reyes – com o fim de comprometer os presidentes da Venezuela e do Equador e de apresentar as FARC como envolvidas em negócios do narcotráfico e de armas.
Tornar publico o falecimento de Marulanda nos dias em que Uribe proclamava, triunfalista, que as FARC estavam em processo de destruição como força de combate permitiria ao presidente neofascista utilizar o acontecimento para promover a confusão e a desinformação.
A divulgação da notícia foi assim atrasada durante muitas semanas até chegar ao conhecimento do governo de Bogotá.
A partir de então ocorreu o que se previa. Para além da torrente de calúnias da propaganda oficial, os epígonos do uribismo não se limitaram a festejar a morte de Marulanda, apresentando-o como bandoleiro e assassino. De especulação em especulação identificaram no desaparecimento do comandante-chefe da organização guerrilheira o prólogo do seu fim iminente. As Forças Armadas chegaram ao absurdo de afirmar que teria morrido possivelmente durante um bombardeamento do seu acampamento.
Perante as proporções da orquestração reaccionária, o secretariado do Estado-Maior Central das FARC considerou chegado o momento de tornar pública a morte de Manuel Marulanda. A notícia foi divulgada através de um comunicado lido pelo comandante Timoleón Jimenez e transmitido em primeira-mão pela Telesur venezuelana. Nesse documento a direcção das FARC informa que o novo comandante-chefe é o Comandante Alfonso Cano. E prestando comovida homenagem a Marulanda, pela sua capacidade de liderança, lucidez ideológica e talento como estratego militar, sublinham a decisão inquebrantável de prosseguir em todas as Frentes até â vitória final a luta pelo «poder político, por uma sociedade de justiça social e pelo socialismo».
As campanhas de calúnias contra as FARC vão continuar, paralelas à guerra cujo objectivo é o seu aniquilamento.
O fim desta guerra não tem data no calendário. Mas o povo da Colômbia já percebeu que Uribe e os seus ministros somente deixaram marcas na História pelos seus crimes. E está consciente de que Manuel Marulanda conquistou já a eternidade, ocupando lugar ao lado de Bolívar no panteão dos heróis autênticos da América Latina.
Serpa, 27 de Maio de 2008
retirado de odiario.info
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